Kharybdis e Scilla, o tormento das escolhas e decisões
Mitologia Grega

Kharybdis e Scilla, o tormento das escolhas e decisões




Odisseu ou Ulisses foi um dos grandes heróis da Guerra de Troia. Depois de derrotar os troianos, ele iniciou uma longa viagem de dez anos de volta para Itaca, que foi marcada por muitas aventuras e desventuras.

Odisseu e seus companheiros enfrentaram o cíclope Polifemo e só conseguiram fugir porque cravaram uma lança no único olho do gigante. Eles não sabiam que Polifemo era filho de Poseidon, por isso passaram a ser perseguidos pelo deus que criou inúmeros problemas para eles no percurso da viagem.

Depois de algum tempo navegando, eles chegaram à Ilha de Circe onde ficaram por um longo período. Quando resolveram partir, a feiticeira Circe ajudou-os a passar sãos e salvos pela costa da Ilha das Sereias, recomendando que tapassem os ouvidos com cera para não serem inebriados pelos cantos das sereias.

Depois de terem enfrentando estes e tantos outros perigos, Odisseu e seus companheiros pensavam que haviam superado todos os desafios da viagem, mas o pior estava por vir. Navegando por um estreito canal entre duas rochas, eles tiveram um encontro com dois enormes monstros marinhos: Scilla e Kharybdis.

Kharybdis habitava uma das rochas onde havia uma grande figueira. Filha de Poseidon, ela tinha sido uma bela ninfa do mar, porém certa vez tentou inundar a terra para expandir o reino subaquático de seu pai, deixando os demais deuses zangados. 

Quando Héracles passou por perto levando os bois de Gerião, ela roubou alguns dos animais para devorá-los. Ao tentar recuperar o gado, Kharybdis atacou Heracles e foi fulminada por Zeus com um raio. Lançada às profundezas do mar, ela foi transformada num monstro marinho. Três vezes por dia ela sorvia as águas do mar e depois tornava a cuspi-las, formando um redemoinho no mar.

Scilla, que habitava a outra rocha no lado oposto, também era filha de Poseidon. Ela tinha sido uma bela ninfa amada pelo pescador Glauco. Certo dia ele estava pescando quando descobriu que, ao colocar na relva os peixes que pescava, os peixes retornavam à vida. Curioso, ele resolveu entrar no rio e acabou sendo transformado num ser marinho, com cabelos verdes e a metade de seu corpo transformada numa cauda de peixe. Devido à sua aparência, Scilla rejeitou o seu amor. 

Glauco pediu ajuda à feiticeira Circe para retornar à sua antiga aparência, porém ela se apaixonou por ele. Sabendo que Glauco tinha sido rejeitado, Circe voltou-se contra a rival derramando uma poção venenosa na fonte em que a ninfa se banhava. Quando Scilla entrou na fonte, viu serpentes e outros monstros na água. Tentou fugir mas descobriu que os monstros eram partes de si mesma. Depois disso ela foi viver no estreito de Messina, aterrorizando os marinheiros.

Quando Odisseu e seus companheiros passavam pelo estreito com sua embarcação, foram atacados por Kharybdis que fez surgir um enorme redemoinho. Eles tentaram escapar remando com muito esforço, porém quando conseguiam se distanciar Scilla os atacava do outro lado. Com a embarcação destruída, muitos marinheiros cairam no mar e foram devorados por Scilla.

Odisseu e alguns de seus amigos conseguiram se agarrar aos pedaços da embarcação que se espalharam pelo mar. Porém Odisseu começou a ser sugado pelo turbilhão e, quando já estava bem perto da morte, conseguiu agarrar-se à figueira conseguindo se salvar. E assim Odisseu prosseguiu sua viagem para encontrar sua amada Penelope que o esperava em Itaca.

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Desse episódio da mitologia grega surgiu a expressão "Estar entre Scilla e Kharybdis", significando estar entre duas alternativas igualmente perigosas ou desagradáveis. E quem já não esteve numa situação assim?

A vida é feita de escolhas. Desde as mais simples às mais complexas, toda escolha é feita com base nos elementos que possuímos em cada momento. São os fatos que determinam as nossas decisões. E quanto mais informações conseguimos obter, mais poderemos analisar e decidir com propriedade, que ajuda a ancorar as nossas decisões. Isso torna o momento de decisão menos sofrido e complicado, porque podemos pesar os prós e contras e projetá-los no futuro.

Para decidir sempre temos de considerar as alternativas disponíveis e assim escolher a melhor entre todas e dispensar as demais. Ou seja, para escolher temos de renunciar de algo, porém há situações que não se processam assim. Em algum momento de nossa vida pode surgir a necessidade de escolhermos uma opção que não seja a pior ou que cause menos danos.

No livro "Escolha de Sofia" o escritor William Styron retratou o dilema, a angústia de julgar, escolher e decidir, sendo usado como expressão quando estamos indecisos diante de duas opções ou quando qualquer caminho que tomemos são igualmente ruins e nefastos.

O livro conta a dramática história de Sofia, que testemunhou os horrores do holocausto. Ao ser interrogada por um comandante alemão, ela foi submetida à mais cruel escolha de sua vida: devia entregar um dos filhos para morrer ou ambos seriam mortos. Torturada pela decisão e tomada em desespero pela pressão sofrida, Sofia optou por salvar seu filho e entregou sua filha para morte.

Talvez nunca tenhamos de tomar uma decisão tão dramática, mas com certeza em algum momento poderemos viver momentos difíceis, tendo de conviver com a dúvida de ter decidido certo. Porém não existem escolhas certas ou erradas, adequadas ou inadequadas; o que existe são escolhas e decisões que funcionam naquele momento.

Suportar a pressão para decidir sobre coisas que podem mudar nossa vida e a vida de outras pessoas, não é fácil. O que nos atormenta é que qualquer decisão implica em conviver com suas consequências. E não adianta fecharmos os olhos e recusar a enxergar o que temos pela frente. Quanto mais adiamos decisões, mais nos tornamos prisioneiros de nosso dilema e nunca descobriremos o que há mais adiante.

Disso podemos apreender que, podemos nos sentir apertados, constrangidos e encurralados pelas escolhas da vida, porém é melhor lutar pelo que seja verdadeiro e que pode trazer algum resultado, do que viver eternamente entre situações que nos aterrorizam e paralisam. Só optando por uma delas saberemos de seu real potencial de desdobramento. 

Quanto à escolha de Sofia, no momento de sua decisão ela analisou rapidamente que o filho teria mais condições de sobreviver à rude permanência no campo de concentração. Algum tempo depois ela foi designada para trabalhar na casa de um chefe da Gestapo. Era ele que decidia quem devia viver e quem devia morrer. A proximidade com o comandante lhe permitiu expor sua condição e suplicar a liberdade para si e seu filho... 

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