Midas assim fez e mal tocara as águas, antes mesmo de ter passado para elas o poder de transformar tudo em ouro, as areias do rio tornaram-se auríferas, e assim continuam até hoje.
Dali por diante, Midas, odiando a riqueza e o esplendor, passou a morar no campo, longe da cidade, e a cultuar Pã, o deus dos campos. Certa ocasião, Pã teve a temeridade de comparar sua música à de Apolo, e de desafiar o deus da lira para uma competição. O desafio foi aceito, e Tmolo, o deus da montanha, foi escolhido como árbitro. O velho acomodou-se e tirou as árvores de seus ouvidos para escutar. A um dado sinal, Pã tocou sua avena (antiga flauta pastoril feita de um talo de aveia) e, com sua rústica melodia, deu grande satisfação a si mesmo e a seu fiel devoto Midas, que estava presente. Em seguida, Tmolo virou a cabeça para o Rei Sol, e todas as árvores acompanharam seu gesto. Apolo ergueu-se, com a testa enfeitada do louro parnasiano, e a túnica de púrpura tíria arrastando-se no chão. Com a mão esquerda segurava a lira, que dedilhava com a direita. Empolgado com a harmonia, Tmolo imediatamente concedeu a vitória ao deus da lira, e todos concordaram com o julgamento, menos Midas, que discordou e pôs em dúvida a justiça do prêmio. Apolo não tolerou que um par de orelhas de tão depravados ouvidos continuasse a ter a forma humana, e fê-las aumentar de tamanho, tornando-se peludas, por dentro e por fora, e adquirirem movimento próprio; em suma:tornaram-se perfeitamente iguais às orelhas de um burro.
O Rei Midas sentiu-se bastante mortificado com a deformação, mas consolou-se, lembrando que era possível esconder o infortúnio, o que tentou, por meio de um amplo turbante. O cebeleireiro, porém, ficou, evidentemente, a par do segredo. Teve ordem de não revelá-lo, sendo ameaçado de terrível vastigo, se se atrevesse a desobedecer. Verificou, porém, que era demais para sua discrição guardar o segredo; e, assim, foi ao campo, abriu um buraco no chão, e, abaixando-se, contou o caso, em voz baixa, e tampou o buraco. Pouco depois, crescia no local uma touceira de juncos que, logo que atingiu certo tamanho, começou a contar o caso em sussuro, e assim faz até hoje, todas as vezes que a brisa sopra sobre o local.